Ninguém parece levar muito a sério a lista de resoluções de começo de ano. A gente faz por fazer, porque é uma tradição e porque é gostoso sonhar que no ano que vem vamos viver uma grande paixão, fazer aquela viagem a Istambul, colocar nossa vida financeira em ordem, arrumar tempo para participar de ações voluntárias, perder aqueles quilinhos a mais... No fundo, todas as nossas listas são bem parecidas: queremos sorte no amor, felicidade em família, um bom trabalho e, como resume bem a canção, muito dinheiro no bolso, saúde para dar e vender. Mas o que fazemos para que isso aconteça de verdade e para que o ano novo signifique realmente vida nova? Se formos bem sinceros, nada. Por que será, então, que temos tanta resistência em fazer mudanças? O que, afinal, nos segura em direção a uma vida melhor? Das respostas a essas perguntas é que poderá surgir, sim, um ano mais dourado e feliz. Pode apostar que funciona mais do que a lista.
Vença a preguiça
Como dizia o inventor Thomas Edison, jogamos fora as boas oportunidades porque elas geralmente vêm vestidas com macacão de operário. Fazer mudanças dá mesmo trabalho. Precisamos olhar bem de frente para nossas dificuldades, assumi-las de vez, planejar nossas ações para ultrapassá-las, tomar atitudes, se autocomprometer, sacudir a poeira e agir com determinação. Mas, às vezes, dá uma preguiça... Pois bem, você não é a única pessoa do mundo a sentir a força da inércia. Todos nós temos uma resistência enorme em sair da zona de conforto. Está tudo lá tão arrumadinho, tão certinho... Mesmo que essa arrumação já esteja nos sufocando, que a gente reconheça que está perdendo vida e oportunidades em limites auto-impostos, ainda assim, resistimos bravamente em mudar.
Ficamos ali, enrolando, adiando, fazendo de conta que a situação não existe, nos distraindo com coisas mais importantes, como a ida ao mercado central para comprar azeitonas selecionadas, assistir ao ensaio da banda de um amigo (mas a banda é ótima!), o jogo de peteca aos domingos. Nada contra. Mas será que não dava para fazer isso sem esquecer o principal? E o principal, que é planejar mudanças para tornar sua vida melhor, pode ser feito com muito prazer. A fotógrafa catarinense Ana Domingues, por exemplo, aproveitou as férias para, entre uma caipirinha e outra, pensar no assunto. O que ela precisava mudar em sua vida e em si mesma para sua profissão decolar de vez? Ia para a praia cedinho, fazia tai chi chuan na beira do mar, voltava para a cadeira, tirava uma soneca, acordava, entrava na água fria e voltava animadíssima para pegar lápis e papel, refletir muito e escrever seu plano de trabalho, mês por mês. Foi a partir desse projeto que decidi ir para a Espanha, ficar com uma amiga, fazer um curso de especialização e começar a trabalhar de lá para o Brasil, diz, contentíssima com suas decisões. Mas o que ela teve de trabalhar mesmo foi seu apego à família. Tinha um ninho muito confortável na casa dos meus pais. Estava com 30 anos e jogando minha vida fora por causa do meu amor ao conforto e meu pavor do desconhecido, diz.
Ah, o apego... Diz o budismo que ele é a principal causa do nosso sofrimento. E é. O apego é uma cola que nos une às situações, às coisas, às pessoas. E, quanto mais cola, mais o esparadrapo dói para sair (e por isso às vezes é melhor arrancá-lo de uma vez do que ir aos pouquinhos). Mas o outro motivo que nos faz sofrer é a aversão. Se temos o apego a alguma coisa, é porque temos aversão a outra. Não só não mudamos porque estamos colados a uma situação como também porque temos resistência ao que é desconhecido. Em palavras mais cruas, temos medo. Geralmente, essa ameaça significa perder o controle da situação. Se eu mudar, e aí? O que pode acontecer? Pode ficar pior do que agora? E se não der para voltar atrás? Ai, que medo... Já imaginou se a gente pensasse assim ao nascer? Não nascia nunca, não há nada mais confortável e aprazível do que o útero. Mas a vida, sendo ela mesma a expressão de uma dança contínua, nos impele em direção à mudança. E, não tenha ilusões, não há escolha real: quem não muda geralmente é mudado, às vezes de uma forma muito mais dura do que uma mudança gradual, consentida e planejada. É como se a vida dissesse: sai do meu caminho que você está me atrapalhando. E ela vem que vem. Onde tem vida tem movimento. Tudo o que está parado, estático, rígido, seco, está morto. Essas são as características básicas que assinalam a presença da morte. Às vezes vemos cidades mortas, pessoas mortas, mesmo vivas. São as que não mudam, diz a monja budista Pema Chödron. Portanto, estar com os ouvidos afinados para as trocas de ritmo da existência é fundamental quando pensamos em mudanças. Agora a gente vai ver como.
Por onde começar?
Existe uma área da vida em que as mudanças são rápidas e dinâmicas e acontecem o tempo todo. É o mundo corporativo. Mesmo não sendo um universo mais diretamente relacionado conosco, as pessoas que fazem parte dele podem nos ajudar, e muito, no que diz respeito a realizar mudanças. Tanto que hoje existem profissionais muito bem pagos, por sinal que ensinam executivos a fazer exatamente isso: mudar. É o trabalho do que se chama hoje de personal coach, que nada mais é do que um técnico particular que enxerga, com os olhos bem treinados, o que você anda fazendo com o jogo da sua vida. É interessante escutá-los, principalmente porque não dão conselhos a ninguém: ao contrário, estimulam seus clientes a dar suas próprias respostas apenas fazendo boas perguntas. E a primeira questão que um personal coach coloca a seus clientes em seu consultório é: você sabe o que quer mudar na sua vida?
A maioria não sabe. Pensam que querem mudar uma coisa, mas provavelmente precisam modificar uma série de outras, muito mais profundas, para atingir a transformação que desejam na vida. Por exemplo, se você quer aprender a meditar, pode esbarrar na sua dificuldade em manter a disciplina, pois a prática exigirá uma constância diária. Ou vai ter de reconhecer e lutar contra o que detona sua ansiedade, quando tiver vontade de se levantar da almofada e sair correndo. Enfim, qualquer mudança, mesmo a mais simples, fará você entrar em contato consigo mesmo e com aquilo que o desafia internamente.
Portanto, antes de qualquer coisa, você terá de perguntar a si mesmo: o que realmente você quer mudar em sua vida? E o que você precisa mudar em si mesmo para conseguir isso? Para se ter uma idéia da importância dessas duas perguntinhas, digamos que numa série de dez sessões com um consultor de coaching, três ou quatro delas portanto, quase metade do processo serão destinadas a esclarecer apenas esses dois pontos. Caterina Alberti, redatora de publicidade das boas, aprendeu isso na prática. Tinha um problema visceral com prazos. A moça era enroladíssima. Propunhase a cumpri-los, comprometia-se por um tempo e depois caía na mesma história. Percebi que para algumas coisas conseguia cumprir prazos sem problemas. Era pontual quando marcava encontros com pessoas de quem gostava, não perdia filmes ou peças de teatro que iam sair de cartaz e que eu queria muito ver, pagava direitinho as prestações do meu apartamento, que adoro de paixão, conta.
Portanto, o mundo, para ela, dividia-se em coisas que gostava de fazer e as que não gostava (mais ou menos como para todos nós). Só que, para as que gostava, Caterina dava tudo. Para as que não gostava, nada. Fui mimada demais, reconhece. Além disso, não sabia delegar funções. Sou perfeccionista. Acho que só eu sei fazer tudo, de cozinhar a tirar espinho do pé. Para mudar sua relação com os prazos e consciente do seu amor às suas predileções, escreveu uma lista do que gostava ou não de fazer. Quando via que estava atrasando porque não gostava daquilo, se aprumava, resistia bravamente a sua compulsão de enrolar, e fazia. Também aprendeu a não se sobrecarregar demais com tarefas domésticas e profissionais e a dividir funções. Sem falar que resolveu, definitivamente, abaixar o volume do seu perfeccionismo intolerante. Na verdade, precisei mexer em áreas que jamais poderia imaginar que estivessem relacionadas com minha dificuldade com prazos, diz. Ainda escorrega vez por outra, admite, mas melhorou muito.
O mapa da vida
Ken Wilber, pensador contemporâneo dos Estados Unidos, propõe uma maneira simples para nos ajudar a descobrir o que realmente é importante mudar. Diz ele que um jeito fácil de perceber onde nossa vida está desequilibrada e onde precisa de mudanças urgentes é desenhar um círculo, dividi-lo em quatro partes e colocar, em cada uma delas, um dos seguintes tópicos: vida pessoal, vida profissional, vida cultural e vida espiritual.
Na vida pessoal, vamos descrever a quantas andam nossos relacionamentos, conosco e com os outros, o que nos incomoda ou o que falta no campo emocional e o tempo destinado ao desenvolvimento pessoal. Aqui também entram os hobbies, as viagens, o lazer e o ócio (quantas horas dedicamos ao descanso). Também fazem parte dessa área a auto-imagem, o cuidado com a saúde e com o corpo e quanto tempo a gente dedica a tudo isso. Na vida profissional, as nossas metas, as dificuldades e quanto tempo o trabalho ocupa em nossa vida. Na parte cultural/social está o tempo dedicado a livros, filmes, revistas, palestras, cursos ou ações voluntárias. E na espiritual, a meditação e tudo o que fazemos em relação ao nosso desenvolvimento interior. De cara, vamos perceber que há um desequilíbrio. Uma ou mais partes estarão mais pesadas do que outras. É claro que pode haver uma ênfase um pouco maior numa das áreas, mas o ideal é que seja só um pouco maior e não muito maior, aconselha Wilber. Outro detalhe: esse equilíbrio é dinâmico, está sempre em mutação. Por isso é bom tornar a fazer o círculo depois de um certo tempo, para termos noção do que já mudou e do que ainda precisa ser mudado.
Geralmente, uma das áreas em desequilíbrio é a espiritual. Até mesmo quem lida com executivos, num ambiente que parece ser puramente racional e pragmático, vai tocar nesse ponto. Vamos voltar mais um pouquinho ao mundo corporativo. A essa altura, em que você está escolhendo suas prioridades, o personal coaching vai perguntar as questões básicas da metafísica: qual é o seu objetivo na vida? Qual sua razão de existir? O que você acha que veio fazer neste mundo? O que o faz realmente feliz? Todas as metas estão subordinadas aos objetivos maiores da vida. As pequenas mudanças têm mais ou menos força na medida em que estão alinhadas com as metas maiores, mais existenciais do ser humano, diz Robert Wong, personal coaching e autor do livro O Sucesso Está no Equilíbrio. Para mudar, precisamos unir corpo, mente e espírito numa só direção. Só assim as mudanças ganham sustentação necessária para que possam ocorrer, diz ele.
Para Jael Coaracy, outra profissional conhecida da área e autora do livro Vai Dar Certo, o que é mais profundo em nosso ser gera desejos desnecessários, que jamais poderão satisfazer nossas necessidades reais. Isto é, não adianta ficar sonhando apenas com a casa na praia ou com a viagem para Istambul quando queremos mesmo é ter alguém que nos ame do nosso lado ou realizar algo maior em nossas vidas em benefício dos outros. Uma coisa não anula a outra, é claro, mas é preciso saber reconhecer a importância de nossas necessidades espirituais e emocionais antes de estabelecer planos materiais concretos. Assim, diz ela, a possibilidade de ser feliz fica bem maior.
Estabelecidas, portanto, suas grande metas de vida e as pequenas mudanças necessárias para equilibrá-la, chegamos ao próximo passo.
Arregaçando as mangas
Preste bem atenção na expressão acima. Ela diz tudo. O entusiasmo, o desejo de trabalhar de todo o coração por uma meta, é vital para alimentar o início da sua jornada. O primeiro passo tem de ser forte, vibrante, cheio de energia. O mestre espiritual armênio Georges Gurdjieff, que viveu no século passado e que compreendia profundamente a psique humana, dizia que tudo na vida pode ser dividido em sete etapas. Se fosse uma escala musical, por exemplo, ele a dividiria em sete notas. Ediria que dar um dó inicial forte é fundamental para o cumprimento de qualquer tarefa. Empreitadas que se iniciam com um impulso fraco não duram, pois não têm força suficiente em si mesmas para serem levadas adiante.
É o que acontece, por exemplo, com a maioria das resoluções que fazemos no início do ano. Elas apenas expressam um desejo, um anseio. É como querer um presente caído do céu, algo que não depende de nosso esforço. Não existe uma meta e nem a disposição convicta para cumpri-la, diz Mizuji Kajii, membro do International Coaching Community e especialista em programação neurolinguística e técnicas de liberação emocional. Em resumo: anseios geralmente não têm muita energia e não se pode confiar na sua eficácia.
A maioria dos desejos também é generalizante e não tem foco específico. Por exemplo, os famosos eu gostaria de encontrar um bom emprego e eu gostaria de emagrecer. Experimente trocar o tempo e o verbo do eu gostaria por eu quero. É facil observar que o eu quero já traz implícita uma ação. Se eu realmente quero, vou fazer algo por isso, diz Mizuji. Quer ver um consultor de coaching feliz é dizer com todas as letras: Eu quero emagrecer 4 quilos até março, 2 quilos por mês, já me matriculei na academia e comecei o regime. Objetivos, prazos, modos de agir, compromisso, tudo isso estimula a ação e o cumprimento da meta. Por isso planeje, deixe claras suas expectativas, vá mudando aos poucos, a cada dia.
Talvez a mudança tenha de ser drástica mesmo. Não adianta mudar para permanecer na mesma situação. Aliás, tem gente que muda apenas para continuar igual. É o caso, por exemplo, de quem troca de casa, de carro, de cidade só para não trocar as bases da relação com o marido ou a mulher. Recusa-se a ver que o relacionamento pode ser o verdadeiro problema. Mais uma vez, é não compreender o objetivo de uma mudança: ser mais feliz.
Mas como reunir essa força toda para mudar, essa vontade de arregaçar as mangas e sair para a luta com o fervor de um recém-convertido, quando já se está perfeitamente consciente de que muitas vezes nossa decisão implicará em renúncia, esforço e sacrifício?
De olho na meta
Vamos voltar de novo ao que fala Gurdjieff. Continuando com o exemplo da escala musical, ele diz que entre a nota mi e a nota fá ocorre um arrefecimento da vontade inicial. Corre-se o risco de perder a gana de cumprir o objetivo ao atravessar esse intervalo. Se fosse um casamento, poderíamos dizer que lá pelos dois anos de união, quando a paixão já passou e a rotina ganhou espaço, ocorre um perigoso hiato na manutenção do compromisso. É preciso dar um impulso adicional para renová-lo, algo para unir de novo o casal. Podem ser umas férias, a vinda de um filho, a compra de um imóvel.
Outro hiato acontecerá, diz ele, entre o si e o dó da próxima escala. Ou seja: quando se está perto do fim, o esforço tem de ser maior ainda. Qualquer corredor de maratona também sabe que tem de dar tudo de si no último instante da corrida. O que faz um sacrifício suportável e o esforço compensador é a meta. Ele diminui de intensidade quando fi camos de olho nela, quando lembramos da gratificação que isso nos trará, afirma o consultor.
Isso porque nem sempre as mudanças que vão nos fazer mais felizes serão as que vão receber aplausos da sociedade ou da família.
Dilema atroz
Uma das histórias que se costumam contar nesses cursos que auxiliam as pessoas a fazer mudanças é a de um matemático e professor genial. Ele era admirado por seus colegas e tinha posição garantida na universidade onde lecionava. E adorava tocar saxofone. Cada vez menos sua vida como professor o satisfazia e cada vez mais ele queria se dedicar inteiramente ao seu instrumento. E foi o que ele fez. Abandonou tudo e foi tocar saxofone na noite de uma grande cidade. Só que tinha um problema: ele era um saxofonista sofrível. Medíocre mesmo. Não conseguia ir além de tocar em botecos. Dormia em albergues, quando não na sarjeta. O que fazer então: ser um professor bem-sucedido infeliz ou um músico medíocre feliz?
O consultor Mizuji não se aperta com esse tipo de dilema. Às vezes, as mudanças não precisam ser tão radicais, elas podem ser negociadas, diz. Uma alternativa que não seja nem tanto ao mar, nem tanto à terra pode ser a saída. O cineasta Woody Allen, um bom exemplo, dirige filmes e toca clarineta às terças-feiras na casa noturna Elaines.
Outra alternativa é a possibilidade de escolher algo completamente diferente dos caminhos que se contradizem, uma terceira opção. No caso, procurar mais alternativas que possam trazer mais alegria na sua vida. Ou, ainda, admitir que a felicidade tem um preço e que você está disposto a pagá-lo, acima de tudo.
Mais um dilema que pode acontecer no meio do caminho é o interno. Temos muitas vozes dentro de nós: uma parte provavelmente vai querer cumprir a meta, enquanto outras preferem dormir mais um pouquinho, comer um brigadeiro de sobremesa, adiar o pagamento de uma conta para se presentear com alguma bobagem considerada essencial. Já é um grande avanço sabermos que existe essa luta. Pelo menos, temos conhecimento do que pode nos vencer, diz Mizuji. Com mais consciência, fica um pouco mais fácil resistir aos impulsos que surgem a todo momento. Outro caminho é a meditação e o trabalho espiritual interior. A unificação do ser depende disso.
Meditar para mudar? Sim. A meditação é o que de melhor pode haver para acalmar as vozes internas, clarear o espírito, aumentar a nitidez de foco da sua meta.
No mais, existem livros, consultores e cursos para ajudá-lo com mais detalhes. Mas aqui você talvez tenha encontrado material suficiente para dar o pontapé inicial. Agora, coragem, fé em Deus e pé na tábua.
Por Liane Alves - Revista Vida Simples
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